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Cultura - Quinta-feira, 27 de Maio de 2021

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ESTUDO DESENVOLVIDO NA UFLA CONTRIBUIU PARA TRANSFORMAR COLETA DE ÁGUA MINERAL NA FONTE EM PATRIMÔNIO CULTURAL E IMATERIAL DE CAXAMBU

ESTUDO DESENVOLVIDO NA UFLA CONTRIBUIU PARA TRANSFORMAR COLETA DE ÁGUA MINERAL NA FONTE EM PATRIMÔNIO CULTURAL E IMATERIAL DE CAXAMBU


ESTUDO DESENVOLVIDO NA UFLA CONTRIBUIU PARA TRANSFORMAR COLETA DE ÁGUA MINERAL NA FONTE EM PATRIMÔNIO CULTURAL E IMATERIAL DE CAXAMBU

O ato de coletar água mineral nas fontes de Caxambu, no sul de Minas Gerais, tornou-se patrimônio cultural e imaterial do município, em uma iniciativa inédita no Brasil. O registro como Patrimônio Cultural e Imaterial é um instrumento legal que permite preservar, reconhecer e valorizar bens que contribuíram para a formação de uma comunidade, além de aumentar a arrecadação de receitas por meio do ICMS do Patrimônio Cultural. Essa foi a primeira vez – concretizada em fevereiro deste ano – que a prática de coletar água nas fontes ganhou esse status. Uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras (PPGA/UFLA) contribuiu para que a prefeitura do município tomasse a iniciativa. Aliada a estudos da Diretoria de Cultura da cidade, a pesquisa estimulou a Secretaria de Turismo a propor o registro. A tese de doutorado do pesquisador Lucas Canestri de Oliveira, defendida em dezembro de 2020, analisou a coleta de água na fonte como prática cultural em três municípios do Circuito das Águas (Caxambu, Lambari e Cambuquira). Verificou-se que essa prática reflete consensos sociais herdados culturalmente. O estudo demonstrou o quanto esse ato está carregado de saberes, valores e consensos sociais construídos ao longo do tempo.  Lucas permaneceu por pouco mais de dois meses em cada uma das cidades, observando o cotidiano dos moradores e a rotina nas fontes de água. Ele também realizou entrevistas com 108 pessoas entre setembro de 2018 e março de 2019, durante as visitas às fontes. Pela fala dos entrevistados e pelas situações que vivenciou, ele concluiu que hoje a população valoriza a água por ser natural e de alta qualidade. A maioria das pessoas (82%) disse que busca a água na fonte porque ela é pura, enquanto 14% disseram fazê-lo por seu poder curativo, e 4,5% atribuem às águas caráter milagroso. Outro destaque é que 72,2% dos coletores afirmaram ter tido um bisavô ou uma bisavó que viveu na cidade, o que sugere uma tradição passada de geração para geração. Esses posicionamentos indicam que, atualmente, o consenso social em torno da prática está apoiado em motivos ecológicos, científicos e afetivos. Segundo o pesquisador, as pessoas defendem as águas por considerarem que são melhores do que outras águas. Ele destaca falas dos entrevistados que enaltecem a pureza do líquido (“é uma água mais limpa a que sai da mata”) e que as colocam como melhores do que outras águas (“porque são águas falsas, não matam a sede, são artificiais, industriais, mortas, etc.”), inclusive classificando-as como muito superiores às “águas de ribeirão”, como são chamadas pelos moradores as águas tratadas e distribuídas por prestadoras de serviço de abastecimento. O pesquisador pondera que o consenso social em torno da pureza dessas águas não significa que não haja percepções individuais diferentes e visões de mundo diversas, mas indica qual é o entendimento mais amplo que predomina na cultura e na sociedade. “O que atualmente assegura a superioridade das águas minerais, para a população, é o fato de não haver ação do homem sobre elas, e a crença de não haver contaminação, por virem das profundezas da Terra. E isso não é trivial, pelo contrário, reside aí a atual força motriz da prática cultural de buscar água na fonte, fato que leva os moradores a considerarem as águas como ‘esse privilégio’, ‘essa riqueza’, ‘essa bênção’”, explica Lucas, recorrendo a expressões utilizadas pelos entrevistados. O pesquisador esclarece que as falas, embora remetam à pureza da água vinda de uma ‘natureza intocável’ do subsolo, não envolvem, em âmbito geral, fabulações místicas. “O vocabulário que as pessoas utilizam indica que estão a par de informações científicas, no sentido de uma percepção ecossistêmica, ainda que embrionária. Por isso, atualmente o consenso de relação com as águas apoia-se em motivações afetivas, ecológicas e científicas”. O pesquisador relata que a expressão de um dos entrevistados – “eu bebo pra matar a sede, mas tem gente que fala que ela é boa pra isso, boa pra aquilo, eu bebo porque a água é boa” – sintetiza o que ele mais ouviu durante o tempo de estudo.  Mas os entendimentos sociais sobre a prática de coletar água na fonte vão mudando ao longo da história, e os consensos sociais de cada período deixam marcas culturais. Eles não foram sempre os mesmos em cada época. A pesquisa mostrou que percepções de períodos relativos a consensos anteriores ainda aparecem no imaginário das pessoas, embora o consenso predominante atualmente seja outro. O pesquisador, pela revisão que fez da literatura, identificou cinco períodos históricos marcados por entendimentos diferentes acerca das águas, e identificou traços desses períodos anteriores no relato dos entrevistados.  Os modos de entendimento social que hoje fundamentam a prática de coleta das águas, de acordo com Lucas, são mais propícios ao diálogo e à busca de entendimentos compartilhados do que os entendimentos místico-religiosos, a racionalidade liberal/pré-científica e a racionalidade naturalista-positivista, que marcaram períodos anteriores. “As informações tidas como verdadeiras nesse período atual são construídas por meio do consenso entre os pares, e não estão dadas a priori, como nos períodos anteriores”, diz o pesquisador. Cinco racionalidades predominaram em tempos diferentes da história nas cidades estudadas e ainda estão presentes no imaginário das pessoas Histórias silenciadas – período anterior à colonização europeia, sobre o qual quase não se tem registros históricos na região das cidades pesquisadas. Pelo conhecimento que se tem sobre os povos ameríndios que podem ter habitado a região, as relações prováveis desses povos com as águas eram subjetivas, regidas pelas explicações animistas. Como traço desse período, a pesquisa identificou situações em que a relação das pessoas com as fontes ainda é perpassada por algo anímico, como se a natureza tivesse vontade própria. Um exemplo ocorre com as fontes que são intermitentes (por motivos hidrogeológicos, suas águas param de jorrar em alguns momentos). Há situações em que as explicações científicas para esse fato ficam em segundo plano e as pessoas atribuem a interrupção de fluxo da água a uma suposta preferência da fonte por certas pessoas. A ideia é de que quando determinadas pessoas se aproximam e não são queridas pela fonte, ela para de jorrar.  Águas Santas – a partir do final do século XVIII, período em que predominou uma racionalidade mágico-religiosa. As águas eram vistas como milagrosas, capazes de curar pela mediação de santos, deuses, demônios. A cura representava conversão e transformação, uma reação à doença, que era sinônimo de castigo.  Águas virtuosas – período instaurado durante o século XIX. O caráter sagrado atribuído às águas foi dissolvido pela perspectiva liberal, que passa a enaltecer o valor comercial das águas, e pela perspectiva da ciência, que começa a buscar se firmar como detentora da verdade sobre doenças, tratamentos e curas. A cura pelas águas ainda era admitida, mas elas passam a ser encaradas como mercadoria, uma forma de ganhar dinheiro. Nas falas dos entrevistados, a pesquisa registrou vestígios desse modo de pensar, quando, por exemplo, manifestam indignação diante das águas que escorrem dos fontanários e não são coletadas, indo pelo ralo. “‘É dinheiro escorrendo pelas mãos’ disse um coletor. Um outro sugere armazenar em tanques para sua posterior comercialização. Um terceiro sugere colocar uma tampa ou torneira”, informa Lucas, mencionando também a ideia de se aproveitar a água numa piscina e constatando que falta, nesse caso, a compreensão da função ecológica que a água cumpre ao seguir seu curso. Período científico – com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, e as primeiras academias de medicina, formaram-se as condições para que, no final do século XIX houvesse maior influência dos médicos sobre o conhecimento disponível sobre as águas. Em meados do século XX, as teses sobre a eficácia curativa das águas foram refutadas, por ser baixa sua eficiência perto dos fármacos disponíveis. Mas esse período deixou suas marcas na cultura local e no senso comum.  O estudo mostra que é comum entre os frequentadores das fontes o uso de termos da ciência, como magnesiana, ferruginosa, diurética, hepato-renal etc. Em todas as fontes existem placas com a descrição das características físico-químicas e efeitos daquela água, em particular, no corpo humano. O pesquisador considera que esse período é o que mais herança deixou nos símbolos materiais e imateriais das cidades, sendo reproduzidos mesmo já tendo sido suplantados. Reinvenção – período atual, caracterizado, no ambiente social, pelos entendimentos afetivos, ecológicos  e científicos. O pesquisador cita uma situação, vivenciada durante o estudo, de reação da população à possibilidade de a água de uma fonte estar contaminada. Mesmo sem saber ao certo o que teria causado a provável contaminação, a reação das pessoas foi grande; elas sentiram-se incomodadas e exigiram providências, exigiram o que era justo do ponto de vista coletivo. São reações que buscam pressionar os centros de decisão. Porém, de acordo com a pesquisa, no âmbito da administração pública e privada, os entendimentos predominantes nesse período ainda estariam arraigados ao período das águas virtuosas, com uma visão de mundo não atenta aos alertas científicos dos limites da exploração e da necessidade do  desenvolvimento sustentável. As leis são obsoletas (a água mineral é considerada minério, e não recurso hídrico). Esse confronto de visões de mundo, entre a sociedade e os poderes público e privado, seria responsável pelos conflitos e movimentos em torno das águas que marcam muitas cidades de instâncias hidrominerais. O estudo foi orientado pelo professor do PPGA/UFLA José Roberto Pereira e a base teórica apoia-se na Teoria da Ação Comunicativa, do autor alemão Jürgen Habermas. Pelos resultados, os entendimentos atuais na esfera pública sobre a coleta das águas é fruto de consensos sociais construídos e capazes de influenciar a ação das pessoas e o engajamento que terão frente às decisões de impacto coletivo que envolvem as águas minerais. https://www.youtube.com/watch?v=CN_6cZ_mau4 Fonte: Assessoria de Comunicação – UFLA –

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